O programa está baseado em 3 eixos: fornecer informações e capacitação aos educadores de movimentos juvenis e de escolas judaicas do Estado de São Paulo; instruir os educadores a detectar situações em que possa existir violência e por último, encorajar os educadores ( nos movimentos juvenis e escolas judaicas ) a pensar em meios para desenvolver nos jovens habilidades e ferramentas necessárias para identificar e evitar o abuso psicológico, físico e emocional.

Figura 1. Ilustração dos eixos do Programa Relacionamento Saudável (RS) do Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina da Federação Israelita do Estado de São Paulo.

O presente material tem como público-alvo os educadores dos movimentos juvenis do Estado de São Paulo e pode ser usado como um guia por esses educadores para a criação de atividades dentro das suas tnuot. Para a construção desse documento, o Grupo de Relacionamentos Saudáveis da Federação Israelita do Estado de São Paulo realizou uma pesquisa  exploratória, entre julho e outubro de 2020, para descobrir qual o onhecimento, experiência, e percepções que os membros das Hanagot têm sobre o tema violência entre parceiros.

A pesquisa em questão sugeriu que os membros dos movimentos juvenis, independente da ideologia e/ou linha judaica, já tiveram contato com  experiências de violência entre jovens, porém sabem pouco a respeito dos fatores de risco que levam a prática de violência entre parceiros, bem como sabem pouco sobre as consequência desse tipo de violência para as vítimas. Além disso, a pesquisa também sugeriu que alguns jovens não encontram na comunidade judaica respaldo para a resolução deste problema.

Além dessa pesquisa exploratória, o grupo RS realizou uma vasta revisão bibliográfica sobre programas de prevenção já existentes em todo o mundo. Disponibilizou os materiais da pesquisa em um arquivo online que pode ser consultado por educadores dos movimentos juvenis e disponibiliza workshops e palestras para capacitar líderes de movimentos juvenis que desejam se aprofundar sobre o tema.

Figura 2. Ilustração do processo de criação do Programa Relacionamento Saudável disponibilizado para as lideranças de movimentos juvenis da comunidade judaica do Estado de São Paulo.

COMO IDENTIFICAR UM RELACIONAMENTO ABUSIVO?

RELACIONAMENTO SAUDÁVEL
  • Compartilhamento de experiências alegres entre os parceiros;
  • Cada parceiro tem a habilidade de controlar a raiva nos momentos difíceis e resolver problemas através do diálogo;
  • Quando o casal tem uma comunicação honesta e aberta;
  • Quando o casal compartilha as tomadas de decisão;
  • Quando um parceiro acredita na autonomia do outro;
  • Quando existe respeito, confiança, empatia e carinho entre o casal;
RELACIONAMENTO QUE NÃO É SAUDÁVEL
  • Quando um casal enfrenta problemas, mas não discute sobre eles e repetidas tentativas de discutir os problemas terminam em brigas;
  • Quando um ou ambos os parceiros não respeita os limites do outro ou não se importa com os sentimentos do outro;
  • Quando um dos parceiros não acredita no que o outro diz ou se sente no direito de invadir a privacidade do outro;
  • Quando um dos parceiros ou os dois mentem para o outro várias vezes;
  • Quando um dos parceiros acha que acredita que os seus desejos e escolhas são mais importantes que a do outro;
  • Quando o único circulo de amizade com o qual um dos parceiros se socializa são os amigos do outro parceiro;
  • Quando a parceira “dá um tapa” na cara do parceiro;
RELACIONAMENTO ABUSIVO

Sinais óbvios:

  • Um dos parceiros no relacionamento sempre parece controlar o outro fisicamente, emocionalmente e verbalmente;
  • Um dos parceiros no relacionamento tem ferimentos inexplicáveis;
  • Um dos parceiros no relacionamento sempre pede permissão ao outro;
  • Um dos parceiros no relacionamento tem um temperamento explosivo acompanhado por uma dificuldade de resolver conflitos através do diálogo;
  • Um dos parceiros no relacionamento checam o celular, a redes sociais e o e-mail do outro sem permissão;
  • Quando um dos parceiros no relacionamento faz uso excessivo de drogas ou álcool, bem como está envolvido com práticas de atos delinquentes;
  • Quando um dos parceiros tenta se suicidar ou expressa idealização do suicídio como uma válvula de escape para os problemas enfrentados;
  • Em relacionamentos abusivos, um dos parceiros pode se recusar a usar preservativos ou métodos anticoncepcionais ou obrigar o outro a não usar tais métodos de prevenção, portanto, vítimas de violência no contexto de relacionamentos correm mais risco de ter gravidez precoce;
  • A vítima da violência se culpa pela violência sofrida;
  • Quando um dos parceiros compartilha um vídeo de um momento intimo da parceira ou parceiro com os amigos;
  • Quando um dos parceiros no relacionamento forçar o outro a posar para vídeos ou fotos parcialmente ou completamente nu ou quando estão tendo relação sexual;

Sinais menos óbvios:

  • Quando a vítima sofre de ataques de pânico;
  • Quando a vítima possui dificuldade de dormir;
  • Quando a vítima adquire doenças sexualmente transmitidas;
  • Quando a vítima tem dificuldade de confiar nos outros;
  • Quando a vítima tem medo que o abuso escale;
  • Espalhar rumores negativos sobre uma pessoa;
  • Quando um dos parceiros ameaça delatar o outro para a família por ser gay e a família não sabe;
  • Postar comentários maldosos, falsos e/ou violentos no perfil de uma pessoa nas redes sociais;

Sinais que um educador atento pode perceber:

  • Diminuição da presença nas atividades regulares na escola
    ou no movimento juvenil;
  • Quando um dos jovens no relacionamento se isola dos seus amigos;
  • Quando um dos jovens no relacionamento perde interesse nas atividades;
  • Quando um dos jovens no relacionamento tem uma crescente perde a autoconfiança;
  • Quando a vítima de um relacionamento abusivo fica constantemente criando desculpas para o comportamento do abusador;

Figura 3. Quadro adaptado do Healthy Relationship Educators Toolkit, lançado pela organização Love Is Respect, em 2016/18

COMO UM EDUCADOR DEVE ABORDAR UMA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA?
O que um madrich deve fazer?
  • Ouvir a vítima;
  • Ser honesto(a) quanto a sua habilidade de manter uma informação confidencial, ou seja, o educador precisa avaliar o equilíbrio entre as informações que ele ou ela pode receber e manter em segredo, e o seu código de conduta ética;
  • Ser específico(a) nas suas preocupações, especialmente, se o educador já observou comportamentos abusivos;
  • Fazer perguntas;
  • Não julgar a vítima como uma pessoa fraca ou submissa;
  • Na medida do possível, considerando a segurança da vítima, é necessário permitir que o jovem tome suas próprias decisões sobre o relacionamento;
  • Comunicar o que você, educador, é obrigado a fazer perante a lei e/ou as regras da instituição na qual você atua;
  • Fornecer informações sobre as organizações locais nos quais ele(a) pode encontrar ajuda;
  • Continuar acompanhando o jovem em questão ao longo do ano;
  • Desenvolver um “plano de ação” com a vítima;
  • Não confrontar o agressor;
  • Um (a) educador (a) ao ter contato com uma vítima de violência no contexto de relacionamentos deve refletir sobre os fatores de risco aos quais aquela vítima está exposta.
COMO FAZER ISSO?
  • A vítima já foi humilhada pelo parceiro?
    ▪ A vítima está isolada? Ou seja, quais as redes sociais de apoio que ela tem?
    ▪ A vítima já teve as suas ações controladas pelo parceiro?
    ▪ A vítima já sofreu abusos físicos?
    ▪ A vítima já sofreu abusos sexuais?
    ▪ A vítima (os amigos ou os familiares dela) já foram ameaçados pelo abusador?
    ▪ A vítima já foi difamada na internet?
    ▪ A vítima já recebeu mensagens ou ligações abusivas, ofensivas, ameaçadoras ou indesejadas?
    ▪ A vítima já foi questionada sobre suas atividades e relacionamentos anteriores pelo abusador?
    ▪ A vítima já foi constantemente insultada?
    ▪ A vítima já foi continuamente manipulada?
    ▪ A vítima relatou pensar sobre suicídio como uma maneira de escapar da violência?
O QUE O EDUCADOR DEVE DIZER AO CONVERSAR COM A VÍTIMA QUANDO ELA(E) FOR COMPARTILHARA EXPERIÊNCIA DE ABUSO?
  • “Eu agradeço por você ter me contado sobre isso”;
  • “A experiência pela qual você passou não é insignificante, ao contrário, é muito importante”;
  • “Eu quero que você fique seguro(a)”;
  • “Vamos procurar a ajuda que você precisa o mais rápido possível”;
  • “O que aconteceu não é sua culpa”;
  • “Você merece ser tratada (o) com respeito no seu relacionamento”;
  • “Eu estou aqui caso você precise de ajuda ou precise conversar”;
  • É importante que o educador(a) seja paciente com a vítima e não pressione ele(a) a fazer algo ou tomar uma decisão logo na primeira conversa sobre o evento traumático.

É importante que o educador saiba que ele não pode “salvar ou resgatar” alguém de um relacionamento abusivo. A vítima é quem deve decidir o que fazer e quando.

POR QUE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS EXISTEM?

Não existe uma resposta simples para essa pergunta, pois a violência entre parceiros é o resultado de fatores sociais, comunitários, culturais e individuais. É necessário, portanto, analisar essa violência como resultado de vários fatores tal como descrito abaixo:

Figura 4. Imagem ilustrativa do modelo ecológico para a compreensão da violência entre parceiros íntimos e violência sexual (leia mais sobre o tema em Heise et al., 1998; Krug et al., 2002).

Um dos fatores presentes na sociedade que podem contribuir para a violência é a sua  naturalização, ou seja, quando existe uma cultura que permite que a violência em um relacionamento seja vista como natural e, portanto, aceitável. Por exemplo, quando é percebido como normal que os rapazes criem categorias como “meninas boas para se casar”, o que sugere que existem aquelas que não o são.

Essa é uma categorização normalmente feita com base no comportamento das meninas. Se uma menina tem “bom comportamento”, “é delicada” , ela é vista como uma “boa menina para casar”. Aquelas que não entram nessa categoria são aquelas que os rapazes escolhem para ter relacionamentos casuais e acreditam que o uso de violência com elas é legítimo.

Relacionamentos onde o ciúme, controle excessivo, difamação, chantagem psicológica ou humilhação pública são uma presença constante, podem desencadear em violência e agressividade. Também relacionamentos entre parceiros com acentuada diferenciação social e econômica podem levar um parceiro a exercer autoridade e poder sobre o outro podendo gerar várias formas de violência .

Vários são os fatores individuais que podem tornar abusivo um dos parceiros : quando o abusador já foi vítima de agressão ou bullying ; quando o abusador faz uso excessivo de drogas e bebida alcoólica ; quando o abusador não sabe controlar suas emoções , partindo para a agressividade, ao invés de recorrer ao diálogo.

É importante destacar que relacionamentos abusivos são um processo que culmina em violência física, emocional e psicológica, contudo não começa ou termina no ato de violência. Começa quando um parceiro exerce controle coercitivo sobre o outro, quando um indivíduo exerce controle ou poder sobre o seu parceiro pelo medo, intimidação e ameaça do uso de violência. O controle de um sobre o outro pode também acontecer por meios eletrônicos.

A violência psicológica/ emocional se traduz por um parceiro machucar o outro quando diminui sua autoestima , utilizar nomes depreciativos, fazer bullying, envergonhar o(a) parceiro(a) de forma intencional , buscar afastar o(a) parceiro(a) dos amigos e da família, monitorar seu celular , postar fotos nuas do(a) parceiro(a) sem sua permissão, determinar o que o(a) parceiro(a) deve usar e assim por diante.

Violência sexual é forçar o(a) parceiro(a) a ter relações sexuais quando ele(a) não consente. Vítimas desse tipo de violência ficam sujeitas a problemas sérios de saúde tais como:  estresse pós-traumático, depressão, tristeza, abuso de álcool e drogas, dificuldade de falar sobre o trauma com outras pessoas, dificuldade de confiar em outras pessoas e estresse emocional e físico que podem afetar a vida profissional e acadêmica da vítima.

COMO ORIENTAR ADOLESCENTES?

Antes de pensar em atividades que podem ser desenvolvidas na sua tnuá , é necessário  refletir sobre os três personagens que existem em qualquer relacionamento abusivo:

  • abusador; a vítima e o obsevador, que sabe ou suspeita que alguém está sendo vítima de violência em um relacionamento. Isso significa que é preciso orientar os três envolvidos nesse conflito.
  • Utilize os materiais e ferramentas disponíveis no arquivo “Como Educar
    Adolescentes?” disponibilizado pela RS no Google Classroom (código 6sehcgx) para implementar as sugestões abaixo, dentro do contexto ideológico e religioso da sua tnuá:
      1. Encoraje, através da arte e da música, a identificação e descrição das características de um relacionamento saudável e um relacionamento abusivo;
      2. Faça uso de scripts ou cenários para que os jovens avaliem e discutam sobre um comportamento desses três personagens ou de um deles em terceira pessoa.
        Estabeleça regras gerais antes de começar essas discussões;
      3. Utilize a prática de debates – até mesmo modelos de debates competitivos como uma forma de desenvolvimento de habilidades para resolver conflitos sem violência;
      4. Promova uma discussão sobre a diferença entre conhecimento moral e comportamento moral em um contexto no qual o observador está sujeito a pressão dos seus pares.
      5. Discuta sobre elementos que não estão diretamente ligados à violência entre parceiros, como preconceito, bullying, estereótipos, análise de conteúdos expostos na mídia, diversidade, crimes de ódio etc.
COMO ORIENTAR CRIANÇAS?

Utilize os materiais e ferramentas disponíveis no arquivo “Como Educar Crianças?”disponibilizado pela RS no Google Classroom (código 6sehcgx) para implementar as sugestões, abaixo, dentro do contexto ideológico e religioso da sua tnuá:

  • Promova atividades nas quais a criança tenha a oportunidade de perguntar,
    manusear, observar, experimentar e satisfazer curiosidades e ser valorizada, na forma de jogos e brincadeiras, ou seja, atividades nas quais a criança aprenda que a curiosidade é algo positivo;
  • Promova atividades que estimulem as crianças a aprenderem os limites do outro e a necessidade de ajuda mútua para alcançar objetivos;
  • Crie um ambiente no qual a criança se sinta confortável para fazer perguntas e expressar os seus sentimentos (a criança aprende a contar com os adultos para compartilhar dúvidas e sentimentos);
  • Promova atividades que tenham como base a resolução de problemas;
    o Promova atividades que permitam uma discussão sobre gênero, por exemplo:
      1.  Pesquisar nomes de meninos e meninas: diferenças e origem dos nomes;
      2. Pesquisa junto aos pais sobre a origem do próprio nome;
      3. Estudar o vestuário através dos tempos;
QUERO APRENDER MAIS!

A educação é uma das principais armas para o combate à violência entre parceiros. Neste sentido , o grupo RS busca promover uma mobilização comunitária que tenha como consequência o aumento do acesso a informação sobre esse tipo de violência, encorajar o pensamento crítico sobre os fatores causais subjacentes aos relacionamentos abusivos, abrir espaço para um diálogo sobre como criar um ambiente seguro para as meninas e mulheres da comunidade judaica paulistana .

O grupo Relacionamento Saudável da FISESP se encontra à disposição dos educadores dos movimentos juvenis da comunidade judaica para fornecer workshops de capacitação aos líderes de cada tnuá, possibilitar o acesso a biblioteca online do Programa Relacionamento Saudável e a qualquer outra demanda que se sentirem necessitados sobre o tema.